Ela era uma pessoa estrela, uma menina de olhos amendoados, cabelos cacheados, tinha luz própria e uma força de vontade incrível .Minha caçulinha, ela era 4 anos mais nova que eu, me ensinou muitas coisas. Ela gostava de estudar, conversar, sambar, amava a capoeira e se enrolar na areia da praia, ela nasceu no mar e cresceu com as estrelas. A Lu era assim, séria e sorridente, bagunceira e determinada, esforçada e preguiçosa. Queria fazer tudo ao mesmo tempo, parecia saber que sua trajetória aqui na terra seria curta. Éramos quase inseparáveis, abraços, beijos, conversas intermináveis, conselhos, colo, carinho e cuidado.
Foi um domingo de sol. Eu havia passado o dia em um churrasco de aniversário de um amigo, e ela como iria fazer intercâmbio na Itália, estava se preparando para viagem. Chegamos em casa juntas naquele dia, subimos as escadas, contamos as novidades como sempre fazíamos e ao chegar em casa ela pediu que eu deitasse com ela na cama pois estava com muita dor de cabeça naquele fim de tarde. E ali ficamos abraçadinhas, de mãos dadas, falando sobre amigos e amores, fazendo planos para sua viagem. Não nos despedimos! Cochilei e como em um pesadelo acordei com ela tendo uma convulsão, foi uma cena triste, seus olhinhos viravam, sua boca espumava e eu só enxergava nos olhos dela um pedido – Bebel me ajude! No mesmo minuto ou seria segundo, segurei sua cabeça e língua para ela não se afogar e como um polvo peguei o telefone liguei para minha tia e só consegui pedir socorro, liguei também para uma amiga e gritei socorro de novo. Elas vieram rápido, acho que foram minutos. Carreguei minha menina com 16 anos como um bebê por 4 andares de escada, minha tia estava chegando e levamos ela desacordada ao hospital que ficava à algumas quadras da minha casa. Avisei também minha irmã que estava fora de Curitiba.
No hospital a Lu ia e voltava, tinha seguidas convulsões, em alguns momentos de lucidez arregalava os olhinhos e dizia pausadamente algumas freses soltas. Dizia também que a mãe esteve com ela. E assim ela ficou por 2 ou 3 dias, com febres altíssimas, períodos de inconsciência e imobilidade e algumas frases soltas. Ela não reclamava de dor, pelo menos pra mim.
Foram dias frios, cinzentos e doloridos, eu ficava sentadinha do meio fio do hospital assustada, preocupada e triste. Ninguém sabia o que ela tinha, dúvidas, medo, insegurança tomavam conta dos meus pensamentos. Logo ela foi transferida de hospital, e depois de muitos exames, estudos e uma junta médica diagnosticaram Meningoencefalite Herpética. Naqueles dias tive muitas pessoas a minha volta, meus amigos anjos, pessoas especiais que me davam força, colo, conselhos, comida, carinho e apoio, pessoas maravilhosas que tentavam enxugar minhas doloridas lágrimas. E naquela quarta-feira de madrugada, seu cérebro apagou. O vírus tomou conta de seu sistema nervoso e foi diagnosticada a morte cerebral da minha menina. Achei que meu mundo ia acabar naquela hora e confesso que por muitos meses depois daquele dia eu queria que acabasse mesmo. Eu tive aulas de Neuroanatomia na faculdade, mas não queria acreditar na certeza das linhas retas daqueles exames. Eu tinha esperança que ela voltasse a sorrir pra mim. Foi tirado meu chão, só não desabei pois tive suporte e apoio dos meus amigos. Toda hora, todo minuto alguém estava comigo. Isso me ajudou a estar aqui hoje.
Nos minutos que eu podia entrar na uti, eu ficava falando com ela, arrumava seus cachos, tentava como com um grito sufocado, chamar ela de volta a vida. Mas aquele aparelho insistia em manter as linhas retas, seu coração batia forte mais seu cérebro não respondia. Eu chorava, gritava, rezava e implorava que Deus deixasse ela comigo.
Na terça-feira seguinte, dia 29/05/96, fui ao hospital, e francamente olhei pra ela, ela parecia dormir, mas eu sabia que algo nela podia me ouvir. Então resolvi falar algumas coisas que estavam no meu coração. Naquela conversa, em palavras misturadas com lágrimas eu disse a ela que poderia partir, que ela poderia ficar com a mãe como ela havia pedido, e que eu sofreria muito com sua ausência mas que continuaria amando a incondicionalmente. Falei muitas coisas pra ela naquele dia, disse que daria um jeito de continuar vivendo sem ela e que levaria as coisas do meu jeito.
Naquela noite fria de Curitiba minha casa estava cheia de amigas. Elas passavam dia e noite se revezando com a gente. Até que 3h30m da madrugada o telefone tocou, lembro de ter atendido no primeiro toque e daquela voz baixa e distante ao telefone: – Estou avisando que a Luana desligou. Uma única lágrima escorreu em minha face, minhas amigas e minha irmã me abraçaram e choraram junto comigo, ficamos um tempo em silencio para de alguma forma tomar as decisões daquele momento. Separei sua roupa branca, suas cordas da capoeira para ela ir embora com a paz que tinha no coração.
Aquele 30 de maio foi um dia de sol, muitas pessoas foram lá se despedir dela, ela era muito querida e tinha muitos amigos também. Parecia um encontro de jovens, amigos de todos os lados sentados em rodinha tentando entender uma partida tão precoce. Eu também nunca entendi porque ela se foi tão cedo, acho mesmo que ela era muito especial para ficar aqui na terra. Ela estava realmente linda ali, com o mesmo rostinho que tinha quando era apenas um bebê. Seus cílios virados como os de uma boneca de louça. Mas ela estava ali e não iria mais voltar.
Hoje ainda sinto muita saudade, fico imaginando como teria sido se ela tivesse ficado, mas eu fiquei com ela viva na minha memória e no meu coração como eu tinha prometido pra ela, suportei mais essa dor de precoce perda. Não foi fácil mas não poderia carregar também minha morte em vida, e depois de um tempo consegui seguir minha caminhada me ajudando, me apoiando em mim e em todos os que me cercam!